Um sonho que se sonha junto (parte 2)

Texto: Renata Schiffer

-------

Falar que é um processo dolorido ou tentar colocar em palavras parece até uma banalização do que foi o passado. Para mim, a fertilização foi uma roda-gigante.

Cada etapa da fertilização pode levar de um a dez dias (por exemplo, a confirmação da gravidez). Cada um desses dias foi uma luta. Durante o tratamento, é como se meus dias não tivessem apenas 24 horas e quando estava esperando um novo ciclo começar, parecia que o dia nunca chegaria.

Para fazer a estimulação folicular, a mulher deve injetar diversos remédios diariamente e fazer a verificação dos ovários para ver se os folículos cresceram como o esperado. Às vezes a cada 2 dias, às vezes a cada 5. A cada verificação, o número de folículos que cresceram pode cair e na verificação seguinte o número pode aumentar.

O mesmo ocorre na fase da fecundação. Alguns óvulos podem fecundar e em 5 dias atingir o que chamam de blastocisto, outros podem demorar até 6 dias. Uma grande parte deles não chega até esse estágio. A minha esperança ia diminuindo a cada embrião que não vingava. Eu recebia informações quase diariamente do laboratório; ficava desesperadamente esperando a ligação ou mensagem de whatsapp. Foram dias e dias de incertezas, uma roda-gigante emocional.

São inúmeros os caminhos que se pode tomar nesse tratamento. Existem diferentes tipos de hormônio, discussões sobre as melhores datas para a implantação entre outras decisões que precisam ser tomadas ao longo da jornada. Com esses vários caminhos, surgem várias incertezas e dúvidas se você está fazendo a coisa certa.

Além da confusão emocional, o desconforto físico do tratamento também era uma constante. As aplicações eram doloridas e às vezes deixavam hematomas. Minha barriga ficava bem dura no local da aplicação e meu corpo todo mudou com a quantidade de hormônios que usei. 

Alguns medicamentos são mais simples que os outros. Houve um momento em que eu precisava misturar dois medicamentos antes de colocar na seringa. Certa vez quebrei um dos vidros e não teria a quantidade suficiente do medicamento. Senti um verdadeiro desespero. E se não desse certo porque perdi um pouquinho do medicamento? Seria tudo em vão?

Minha vida girava completamente ao redor do tratamento. Eu tinha horário certo para fazer a aplicação, o que muitas vezes me fez desmarcar um jantar ou um evento social. Eu nunca sabia ao certo em que dia começaria e terminaria os medicamentos, alterando meus planos de final de semana ou de viagens.

A verdade é que nenhuma leitura de como funciona tecnicamente uma fertilização me deu a noção exata do que é passar por isso, menos ainda por 9 vezes. Nada me preparou para a dor e o vazio. Dias nebulosos em que eu não conseguia achar onde minha tão presente esperança foi parar.

A ansiedade, o estresse e as cobranças são adversárias para famílias que querem engravidar. Me deparei tantas vezes com a famosa frase: só relaxa que dá certo! Muitas vezes seguida ainda de exemplos reais de pessoas que “desencanaram”, “compraram um cachorro”, “adotaram uma criança” e logo engravidaram!

Em muitos momentos, me senti a espectadora da questão mais relevante da minha vida.

 

Fertilização: A História, Parte 1

Acho que até hoje ainda não consegui compreender como um processo tão natural como gestar pode virar um processo tão racional. Tinham dias que eu acreditava plenamente que daria certo; outros dias passava com o coração disparado. Sentada na cadeira da sala do médico ao lado do meu marido eu sentia tanto medo do que vinha pela frente, ao mesmo tempo uma vontade enorme de começar logo.

A primeira fertilização foi bem tranquila para mim. Eu tinha ideia de que seria o último recurso, mas acreditava que seria infalível. Como eu tinha baixa reserva de óvulos, minhas chances sempre foram limitadas em termos de números, mas minha fé era muito grande. 

Fizemos três tentativas com o primeiro médico, nenhuma bem sucedida. Em todas essas tentativas tivemos pouquíssimos embriões. Testamos mudar medicações, testamos fazer e também não fazer a biópsia dos embriões. Nessas biópsias, os embriões sempre apresentavam alguma dificuldade se tornando inviáveis para a implantação.

A biópsia sem dúvida é um recurso muito positivo, mas ao longo das minhas pesquisas descobri que não necessariamente um embrião ruim em uma biópsia de fato vai gerar uma criança com alguma dificuldade. Não sou médica e não tenho o menor conhecimento para indicar ou não uma biópsia, mas a verdade é que mais uma vez tivemos que lidar com uma racionalização para engravidar. Fazer ou não fazer a biópsia? Como tomar essa decisão?

Impossível tentar colocar em palavras o que significa um teste negativo após um ciclo de fertilização. Para mim, a FIV era um processo sem falhas. Esse foi sem dúvida um dos momentos mais difíceis de todo meu processo. Sentia que não teria como continuar. Tive medo. 

Precisei lidar com as minhas expectativas e também gerenciar as expectativas da família, amigos, trabalho. Vivi situações bem doloridas com pessoas que estavam ao meu redor e não conseguiam entender o que eu estava passando.

Certa vez, uma amiga que tinha três filhos e era extremamente fértil me disse que se uma pessoa não tinha filhos naturalmente, era porque Deus não queria. Logo essa amiga, casada com um médico, acreditava que a medicina poderia ser útil para tantas doenças, mas não deveria ser um recurso para tentar realizar o meu sonho. Meu sonho, que era o mesmo sonho dela. 

A fertilização não é um assunto falado abertamente. Eu sou uma pessoa bastante aberta e me exponho bastante, por isso descobri muitas pessoas vivendo experiências similares em silêncio, sem dividir com ninguém.

Foi compartilhando minha jornada que aprendi sobre a existência de diversos caminhos possíveis, e também muitos tipos de médicos. Eu acho que médico bom é aquele médico que dá certo para o seu caso. Então, embora ainda estivesse no processo de fertilização com o meu médico (que eu achava bastante bom) comecei a achar que deveria conhecer outros profissionais. 

Fui a diversas clínicas, contei minha história várias vezes. Incontáveis ultrassons. De vários médicos ouvi que não seria possível engravidar porque já havíamos tido embriões com alguma dificuldade, o que trouxe uma incerteza maior. Quando tivemos o resultado das biópsias, foi a primeira vez que tive a sensação de que de fato poderia não acontecer. A vontade de gerar um filho era grande, mas racionalmente as possibilidades eram muito pequenas.

Optamos então por mudar de médico. Talvez uma nova visão, novos ares pudessem nos ajudar. Fiz a primeira fertilização com o novo médico. Tive um embrião cuja biópsia também foi ruim.

Já estava me preparando para fazer a próxima fertilização, renovando a esperança  de que a próxima daria certo, quando recebi um e-mail do médico. Não uma ligação, não uma consulta presencial. Apenas um e-mail com a sugestão: ovodoação.

Como um médico pode acabar com o sonho de uma paciente por email? Como a minha gestação tinha se transformado em um processo tão frio? Entendo que o meu caso é só mais um entre milhares de outros casos similares, mas para mim essa era a minha história, a minha vida.

Hoje que sou mãe tenho a certeza de que gerar um filho, passar minha carga genética, não é nem de longe o que nos faz “mãe”. Inclusive, passei tanto tempo lutando para gerar meu filho que esqueci de entender o que aconteceria depois que ele nascesse. Naquele momento eu não tinha essa noção, e ler esse e-mail foi o segundo momento mais difícil para mim.

…Continua no próximo post…

Voltar para o blog

Deixe um comentário