Um sonho que se sonha junto (parte 3)
Texto: Renata Schiffer
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Fertilização: A História, Parte 2
Na continuação da minha linha do tempo, apareceu mais uma variável que eu não poderia imaginar. Desde 2008 eu acompanhava um nódulo na tireoide. Em dezembro de 2018 fiz um ultrassom e o nódulo havia tido uma pequena alteração, o que requereu uma biópsia que realizei no início do ano seguinte. Com o resultado do exame em mãos, meu médico me chamou com urgência em seu consultório e me deu o diagnóstico: eu tinha um câncer de tireoide. Nas palavras dele, um câncer bastante amigável sem grandes chances de complicação, mas ainda assim, câncer.
Então tracei um plano para percorrer mais essa montanha na minha jornada - faria uma fertilização antes da cirurgia da tireoide. Conversei com aquele médico que já havia sugerido a ovodoação e mesmo com sua falta de crença, seguimos para mais um ciclo.
Nessa estimulação eu apresentei 5 folículos, um número muito alto para o meu histórico, mas no meio do ciclo recebi a notícia de que os folículos não estavam crescendo. Paramos no meio. Novamente nesse caso, eu não consegui falar diretamente com o médico. Um assistente dele me ligou e disse que eu deveria parar as medicações. Lembro como se fosse hoje o desespero de não conseguir falar com o médico que havia contratado. Fiquei esperando até o último minuto que eu poderia aplicar a injeção para ver se ele me retornaria, e nada.
Eu ainda não estava pronta para desistir, então fizemos uma última tentativa antes da cirurgia. Tivemos que interromper na fase da ovulação, essa vez também sem sucesso. Lá se foram mais 2 tentativas.
Chateada com o insucesso dos meus planos, segui para a cirurgia de tireoide: bem sucedida, sem necessidade de iodoterapia! Uma vitória em meio a tantas frustrações, mas agora eu sabia que estava chegando ao fim do que eu conseguia suportar. Do que meu marido conseguia aguentar. Talvez a solução realmente fosse a ovodoação, mas eu ainda tinha um pouco de esperança.
Fertilização: A História, Parte 3
No total fiz o tratamento com três profissionais, mas conheci muitos outros - e foi então que finalmente conheci meu santo médico. A fertilização chega a ser um tratamento comum, mas existem casos (como o meu) que necessitam de uma atenção mais especial. Até esse ponto, eu sentia que todos os médicos seguiam um tratamento padrão, sem de fato observar o meu corpo.
Esse novo médico era bem direto, mais seco até. Acho que foi muito bom porque gostamos do mesmo tipo de linguagem: bem objetiva.
Então ele sugeriu um tratamento diferente. Pelo fato de eu ter tirado a tireoide, talvez o meu corpo se regulasse de forma diferente pós-cirurgia. Ficamos 6 meses observando. Eu ia ao consultório todo mês. Cheguei até a tomar anticoncepcional. Confesso que achei um pouco estranho tomar anticoncepcional para tentar engravidar, mas seguia à risca. Pela primeira vez, após 6 meses, tive 5 folículos. Em todos os outros processos de fertilização só tinha tido no máximo 3 folículos que chegaram ao 5º dia.
Marcamos o dia da extração dos folículos (e para quem se perdeu, já estávamos na 7ª fertilização). Bem nesse dia o médico teve uma intercorrência: suspeitaram que poderia ser um enfarte (no final, era exaustão mesmo - ele trabalhava demais) e ele precisou ser hospitalizado. Sem o médico, minha extração foi feita por um assistente, a quem eu perguntei no final se tinha dado certo. Sim, conseguimos extrair 1 folículo.
Fiquei em choque. Como poderia ter extraído apenas um folículo se finalmente eu tinha 5? Esperamos meses por isso! Ainda meio transtornada, saí da clínica muito nervosa. Não acreditava que isso havia acontecido. Conseguimos fecundar esse folículo e tivemos um embrião, que infelizmente não chegou ao 5º dia.
Foi nesse momento que vi o quanto o meu médico se preocupava. Mesmo tendo sido meio problemático o início desse tratamento, ele tratou meu único folículo com muito carinho e atenção. Por mais triste que tenha sido, senti a compaixão que esse médico teve com a gente e o esforço que ele fez para que não precisássemos de mais uma tentativa.
Quando esse embrião não conseguiu sobreviver, fomos conversar. Expliquei a ele que a parte emocional era a mais difícil, mas que tínhamos como controlar. No entanto, infelizmente a parte financeira estava difícil de remanejar. Após conversamos sobre o ocorrido, combinamos que ele faria o procedimento sem cobrar, exceto os medicamentos. Mais uma vez uma grande demonstração de compaixão.
Começamos o procedimento de fertilização que finalmente deu certo. Segundo meu marido, ele sentia que daria certo porque era como se tivéssemos um desconto para o tratamento. E que mulher não gosta de um desconto?!
Fizemos então a 8ª tentativa. Tive 4 folículos que se transformaram em 2 embriões, e ambos chegaram ao 5º dia. Optamos por não fazer a biópsia.
Não fazer biópsia não é uma decisão fácil. É uma questão bem controversa, mas já estávamos na 8ª tentativa, chegando no nosso limite. Já tínhamos lido de tudo, conversado com dezenas de pessoas, tentado mais do que eu imaginava ser capaz de fazer.
A verdade é que eu acreditava que seria melhor evitar ao máximo manipular demais o embrião. Há textos que embasam essa decisão, mas a verdade é que aqui seguimos nosso coração.
Foram três anos desde que começamos o processo de engravidar; eu havia feito inúmeras tentativas e agora sabia que seria a última. Caso não desse certo, voltaria ao médico anterior e usaria o óvulo doado. Havia chegado ao nosso limite. Seria nossa última tentativa. Não sei explicar o que mudou em relação às outras vezes, mas finalmente senti a tranquilidade que tínhamos tentado tudo dentro das nossas possibilidades e dentro do que nosso coração nos dizia.
Durante o tratamento, o médico nos disse que achava que estávamos em um ótimo mês, então fizemos ainda uma extração de folículos adicional no meio do ciclo. Foi a 9ª extração que renderam mais dois embriões. Optamos por congelar os embriões, faria preparo do colo do útero e faríamos a implantação.
Agora com quatro embriões congelados e considerando também a ovodoação como alternativa, começava um novo sentimento, uma nova fase. Durante todos os anos e todas as tentativas eu finalmente achava que havia uma chance. Um sentimento novo dentro desse processo.
Começamos a preparar o meu endométrio para receber o embrião. Durante três anos, em meio a nove retiradas de folículo, eu só havia feito a implantação no começo dos tratamentos e com um embrião de 3 dias.
Quando o endométrio estava preparado, descongelamos dois embriões. Descongelar embriões também é uma etapa sensível do tratamento: alguns desses embriões podem não sobreviver, o que de fato aconteceu com um deles. Implantamos o outro.
Mais uma vez, aquela espera.
Dias depois, ele chegou - finalmente um teste positivo com um BHCG alto. Estava em casa, saindo do meu prédio quando saiu o resultado. Quando li, nem acreditei. Não tinha nem coragem de dar essa notícia ao meu marido. E se fosse mais uma vez uma falsa esperança?
Fiquei perplexa. Liguei para uma amiga e ela me disse: liga já para seu marido.
A Vitória
Às mulheres que estão no processo de tratamento para engravidar aconselha-se não fazer testes de gravidez de farmácia. Existe a possibilidade de um falso negativo, o que gerar um impacto emocional importante sem necessidade.
Foi difícil me segurar, mas recebemos o tão sonhado positivo em novembro de 2018 via exame de sangue e nele já dava para ver que a taxa do BHCG era boa. Ainda assim eu tinha dificuldade em acreditar.
Repetimos o exame após 48 horas para ver se o BHCG estava aumentando. Não consigo me lembrar direito do que sentia nesses dias, para ser bem sincera não achava que ia dar certo. Embora essa fosse uma notícia muito boa eu não conseguia me libertar da carga de tudo que passamos.
Fizemos o primeiro ultrassom e lá estava nosso bebê. Ouvimos seu coração. Me lembro até hoje de sair dessa consulta com meu marido e não conversarmos. Nenhuma palavra. Era um silêncio que dizia que ainda não queríamos comemorar. Sentíamos medo.
Quando tudo estava correndo bem, em dezembro tive um sangramento que se revelou não ser nada importante, mas o medo era arrebatador. Ainda não havíamos contado para ninguém sobre a gravidez.
Nesse dia, íamos fazer um churrasco na casa da minha sogra. Estava muito calor e após consultar algumas amigas e pesquisar algumas matérias na internet, decidi que seria seguro entrar um pouco na piscina e sentei no raso, quase nem me molhei, Pouco depois, quando fui ao banheiro, vi uma mancha de sangue. O que isso significava? Não era possível, será que iria perder esse bebê tão esperado?! Não estava preparada para mais essa dificuldade.
Corremos para casa e liguei para o médico que recomendou repouso intermediário. Nosso medo era tanto que fiz repouso absoluto por uma semana. Engraçado como essa privação foi tão fácil perto de todas as outras coisas que eu já tinha deixado de fazer. Saber que eu estava lutando pela vida me deu forças adicionais.
No meio da turbulência fui demitida, mas logo depois fui chamada para uma entrevista de trabalho em um lugar maravilhoso. Acho difícil explicar o que é estar no meio de um processo de seleção e se descobrir grávida após anos de tentativas frustradas. O que fazer então? Eu nem sabia ainda se a gestação avançaria até o final, se seria bom trabalhar enquanto estivesse grávida, mas também não queria ficar em casa de molho.
Algumas semanas depois, recebi a proposta para trabalhar nessa nova empresa. Mesmo sabendo que eu estava grávida, me ofereceram a vaga com muito carinho e respeito. O CFO me ligou e meu chefe se revelou uma pessoa incrível. Trabalhar lá fez a minha gestação uma fase maravilhosa, e ter a oportunidade de ser contratada grávida foi muito especial.
Deixava para trás, pelo menos em parte, todos aqueles tratamentos e junto a eles, a frustração acumulada do trabalho anterior. Começava um novo capítulo na minha vida.
A preocupação durante a gravidez nunca deixou de existir completamente. Foi uma gravidez ótima, sem intercorrências, mas no 5º mês um medo avassalador tomou conta de mim. E se houvesse algum problema? Agora dependia somente de mim. Aos 5 meses de gravidez, se tivesse que fazer uma cesárea de emergência, ele não sobreviveria. Esse sentimento esteve comigo até o final. Uma preocupação exacerbada, um medo constante.
Gratidão
Eu havia trabalhado tanto para ver o meu bebê nascer que esqueci de pensar no que aconteceria quando ele nascesse. Tive uma sensação de missão cumprida com seu nascimento e mal sabia que estava só começando. Demorei a me vincular. Demorei a entender o que seria ser mãe. Eu não li sobre o parto nem sobre amamentação. Eu passei três anos vivendo um dia de cada vez e esqueci de ver que o futuro era muito mais cheio de alegrias do que de processos. Eu estava cheia de amor e cheia de medo.
No começo da vida do meu filho, eu trouxe esse jeito de cuidar dele como se fosse uma fertilização: muito burocrático, cheio de etapas. Esqueci da parte emocional, de se deixar levar pela alegria. Só via marcos de desenvolvimento, datas, genes, cromossomos e esqueci de ver que maravilhosa é a vida e o desenvolvimento natural de uma criança. Hoje acho que poderia ter curtido mais, estado mais presente, me deixado levar com mais leveza por aquele bebezinho que havia chegado. Em muitos momentos usava a frase: eu não consigo fazer outro.
Muitas vezes me cobrei muito no começo, achando que não poderia ter as inseguranças normais de qualquer mãe. Afinal lutei tanto, não poderia ficar cansada ou não ser grata por aquele momento que estava passando com meu filho.
Demorou um pouco, mas fomos nos acertando. Aprendi que dar leite na madeira também pode criar o mesmo vínculo com o bebê. Que brincar, estar presente e totalmente conectado são momentos únicos, imperdíveis. Aprendi a aproveitar o meu filho e a maternidade, sem tantos traumas e medos. A ficha caiu e hoje tanto eu como meu marido mudamos o nosso jeito de lidar e de nos relacionar com nosso bebê.
Eu adorei estar grávida, mas com certeza ter gestado não me faz mais ou menos mãe. É difícil ver isso no meio do furacão, mas se eu entendesse esse conceito desde o início, talvez não tivesse achado por muito tempo que esse é o único caminho da felicidade.
Já passei pela gestação, pelo parto e pela amamentação então posso falar: ser mãe é muito mais que esse começo. São todos os momentos de conexão que você terá com ele, pequeno ou grande. É estar presente.
A FIV não é um processo fácil, sem dúvida, e mesmo que em muitos momentos eu tenha encontrado portas fechadas e pouca empatia, eu também tenho muita gratidão a pessoas maravilhosas que encontrei durante todo o processo.
Depois de ter realizado nosso sonho, vejo que ter passado por essa experiência nos fez uma família mais unida. Assim como me uniu muito ao meu marido, hoje eu tenho um agradecimento muito grande por tudo que temos. Não só pela família que construímos, mas também pelas pequenas coisas da vida. Às vezes tomamos essas pequenas coisas como certas, como engravidar que parece tão fácil e natural, mas para muitas pessoas não é.
Sempre que converso com alguém que vai iniciar esse processo, meu maior conselho é: uma vez grávida, não importa o que fez para chegar lá, viva a gravidez em sua plenitude. Deixei os medos para trás. Aproveite, ame seu filho desde o começo. Não deixe o medo tomar conta.
A vida é feita de ciclos. Teremos fases de luta pela frente, e muitas outras fases maravilhosas para desfrutar!
*Fim*